11.11.2007, Dulce Furtado
O Fórum Fantástico puxou os contos para a cabeça do cartaz, este ano,
à terceira edição. É sinal de que editoras, escritores e leitores
começam a olhar de forma renovada para esta forma de contar histórias
Ao explicar, há três semanas, porque razão tinha aceite editar a
colectânea The Best American Short Stories 2007, recém-lançada nos
Estados Unidos, o escritor Stephen King evocou o desejo de voltar a
ligar-se a esta forma de contar histórias, de ler tantas quanto
possível e contribuir para que os contos sejam movidos da “última
prateleira das livrarias, para onde têm sido relegados nos anos mais
recentes”: “Assim”, lembrou, “evito ter que me ajoelhar e andar de
gatas com o rabo para o ar”. “Aqueles [escritores] que são sempre
arrumados nas últimas prateleiras estão agora nos escaparates mais
importantes das livrarias”, afirmou, com orgulho.
Foi com algo deste sentido de missão que o Fórum Fantástico (FF) –
três dias de conferências e lançamentos de obras do universo do
fantástico que decorreram até sábado, em Lisboa – deu este ano
destaque às narrativas curtas. “Escolher as curtas como tema foi em
boa parte um acaso”, notou uma das organizadoras do evento, Safaa
Dib, vice-presidente da Épica-Associação Portuguesa do Fantástico nas
Artes. O “acaso”, precisou, justificou-se por estarem a ser lançadas,
por diferentes editoras portuguesas, cinco colecções de contos deste
género literário: “algo inédito”, sublinhou, avaliando que “não é
costume ser dada tanta importância aos contos”. “As editoras têm
relutância em publicar colectâneas devido à percepção de não ser
rentável, não temos essa tradição de escrita em Portugal e há a
cultura de considerar que a obra-prima de um escritor não pode ser um
conto”, explicou.
Por parte dos escritores a reacção não é muito mais positiva. “É que
nem querem ouvir falar nisso”, contou Rogério Ribeiro, também
organizador do FF, que preside a Épica. “Já aconteceu ser-me mostrado
um primeiro capítulo que me parece que dava um bom conto e o autor
ficar ofendido, porque o que queria era “fazer um livro””.
O FF 2007 veio dar a achega de que está a ocorrer uma inversão,
também no panorama literário português. Primeira prova dada pela
publicação das antologias de contos de vários autores portugueses Por
Universos Nunca Dantes Navegados, A República Nunca Existiu! e Contos
de Terror do Homem-Peixe, ao que se somam A Conspiração dos
Abandonados-Contos Neogóticos, de António Macedo, e Pequenos
Mistérios, do norte-americano Bruce Holland Rogers.
Este último escritor, consagradíssimo artesão das narrativas curtas –
já leva nos bolsos mais do que um Nebula e Bram Stoker e o muito
cobiçado World Fantasy Award – foi, aliás, uma das cabeças de cartaz
do FF: segunda prova. “Gosto muito de escrever romances. De certa
forma até prefiro, porque há que inventar algo novo a cada dia de
escrita, mas não se está a começar do zero. Os contos representam um
novo começo a cada nova história. Aqui há a criação constante de
novas histórias e o encontrar de novas formas de contar as
histórias”, explicou Bruce Holland Rogers, manifestando satisfação
por isso lhe permitir “fazer experiências e explorar ideias que se
poderiam tornar destrutivas num romance”.
“Gostamos de lançar livros”
Criado com o propósito de ser o ponto de encontro entre escritores,
leitores e académicos para dar a conhecer através de palestras,
debates e exposições o que se está a fazer na área do fantástico, o
FF nasceu de um “tira-teimas” travado entre os dois organizadores –
Safaa Dib estava então a estudar Línguas e Literaturas Modernas na
Faculdade de Letras de Lisboa e Rogério Ribeiro editava o fanzine
Dragão Quântico.
“Ela dizia que não havia professores a falarem de livros e escritores
de fantástico”, recordou o presidente da Épica, licenciado em
Biologia e investigador na área dos diabetes. Ela estava enganada. E
essa constatação de que o género que a ambos entusiasmava estava
presente no mundo académico, levou-os a fazer a experiência, em Maio
de 2004, do 1º Encontro Literário de Fantasia e Ficção Científica, na
Faculdade de Letras. Foi o primeiro encontro e também o único.
No ano seguinte suceder-lhe-ia já o Fórum Fantástico, de corpo pleno
e muito mais ambicioso, logo na primeira edição a fazer passar por
Lisboa nomes sonantes do género como o galês Rhys Hughes, o norte-
americano Nick Sagan, filho do famoso astrónomo Carl Sagan, e o
sérvio Zoran Zivkovic. E, ao mesmo tempo, trazendo académicos ao
palco de discussão, como é o caso da professora de Literatura
Comparada Maria do Rosário Monteiro, da Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova, que apresentou este ano a saga de
fantasia épica A Roda do Tempo, de Robert Jordan – segundo volume, A
Grande Caçada, acabado de chegar às livrarias, pela mão da Bertrand.
“Gostamos de lançar livros aqui. É muito mais giro do que a meio do
ano numa Fnac”, referiu Luís Corte Real, editor da Saída de
Emergência, cujo catálogo é constituído em 30 a 40 por cento por
títulos de fantástico. “Não é o que sustém a editora, mas é o que
gostamos de fazer”, afirmou, avaliando que a edição deste género em
Portugal não está a ser feita de forma contextualizada e
informada: “Há uma lista interminável de títulos disponíveis no
mercado, mas ninguém lhes está a pegar para os editar por
desconhecimento do género”.
E, para o FF, as escolhas das editoras são fundamentais. “O nosso
critério norteador de temas e oradores tem sido sempre o dos livros
que são publicados. Temos, sempre em conta o sucesso que os
escritores têm, quer a nível internacional quer nos seus países de
origem. Se são premiados isso dá-lhes um aval importante. E se estão
adaptados para o cinema, tanto melhor”, notou Safaa Dib.
Sempre inerente está também o propósito “de motivar as pessoas a
escrever”, referiu Rogério Ribeiro, evocando que vários projectos
editoriais já nasceram nos bastidores do FF. “Há livros publicados
por causa do fórum, porque as pessoas se encontram aqui e surgem
sempre ideias”, acrescentou Safaa Dib. E não se refere apenas a
livros.
A editora Livros de Areia nasceu justamente nestes bastidores, numa
viagem de carro partilhada por João Seixas e Pedro Marques, que
dirigem esta etiqueta inspirada pelo realismo mágico da escola sul
americana de Jorge Luís Borges, e o escritor Rhys Hughes, que tinha
vindo a Lisboa participar no encontro literário que deu génese ao
FF. “Ele não tinha ainda editor em Portugal e nós andávamos com esta
ideia de avançar com uma editora de small press à imagem do modelo
anglo-saxónico. Juntaram-se as duas coisas e o projecto nasceu. Desde
então temos, todos os anos, lançado livros no Fórum”, contou João
Seixas.
Com um balanço “muito positivo” dos três anos já cumpridos, os
organizadores pretendem, na edição de 2008, estender o FF para lá de
si próprio, com o agendamento de vários eventos periféricos ao longo
do ano. E mais ainda para a frente? “Uma convenção”, diz Safaa Dib. A
última palavra sai-lhe saboreada e com o ênfase de quem já pensou
muito nisto, que avaliou, que fantasiou. “A referência que temos é a
WorldCon [maior encontro internacional de fantástico que decorre,
todos os anos, nos Estados Unidos], que é o ponto de encontro de toda
a indústria”.